Assim que o nada começou a fazer sentido, alguns dizem que foi logo quando o sol dormiu, ela abriu os olhos. Os cabelos louros já não estavam como antes, um pouco mais apagado, algo para o branco. Mas vivos, como ela pensava. Estava tudo escuro, ela estava presa. Não conseguia nem se virar direito, e estava em meio a um veludo. Precisou de uma força imensurável para empurrar a porta, como pensava. E encontrou apenas terra. Cavou, cavou, foi mais fundo, e chegou a superfície. Estava em seu túmulo. Mármore, frio, flores murchas em volta de sua coroa.
Ela ficou várias horas, dias talvez, olhando sua cova. Ainda estava lá, deitada, seus cabelos cobrindo todo o ombro. Como era possível? Quem explicaria tal fato? Depois de algum tempo, aparentemente já desistira de contar, começou a chover. As gotas molharam a garota inteira, mas a que estava deitada, ela mesma, não se molhou. Ali, naquele cemitério, a garota ficou pensando em motivos para descer novamente até o caixão e descobrir o que estava acontecendo. E desceu. Quando seus pés tocaram o caixão, lentamente, ela estremeceu, um frio até então desconhecido domou seu coração. Finalmente entendera, aquela era sua alma, não mais a tinha. Como viver sem alma? Como? Lembrou-se então do seu passado, das pessoas com quem poderia contar, das pessoas que poderiam ajudá-la. Deixou então sua alma deitada, e foi em busca de ajuda. Deixou para trás aquelas flores, e o poste de luz que estava aceso ao lado de seu memorial. Memorial... também não sei o motivo.
Na rua não havia ninguém. Logicamente, quem sairia aquela hora. A lua brilhava tanto. Como sofre! Em toda sua existência, acho que não foi grande coisa, ninguém percebeu seu sofrimento. Mas o brilho nunca foi de alegria. Foi para se esconder. Casais olham para ela, famílias, mães, um grupo de amigos, e ela sempre a mesma. Mas a garota via. Conseguia enxergar sua dor.
Foi até sua casa. Todas as luzes apagadas. Como pensava, não passava ali por muito tempo. Decidiu então ir até sua família, quem sabe eles teriam alguma resposta. Encontrou todos acordados no meio da madrugada, comendo. Disseram que estavam almoçando, e como estava calor o dia. A menina não entendia nada. Depois de conversar sobre a vida de todos, vida, como diziam, ela sentiu que estava na hora de pedir ajuda, contar sobre sua alma, como estava aprisionada. Mas todo momento que ela tentava contar o fato, uma estaca era enfiada no seu peito e ficava rasgando. Pelo menos foi assim que ela falou. A dor da estaca era tão forte, e ela sabia que caso conseguisse falar sobre sua alma, para qualquer pessoa, esta poderia sentir a mesma dor. "Não quero isto para ninguém", ela me disse uma vez.
Pela janela conseguiu observar o sol tentar desabrochar no horizonte. Sabia que estava na hora, não poderia deixar o dia chegar e ela continuar ali sem sua alma. Desculpou-se com todos da casa, todos disseram que não foi nada (sem entender nada), e ela saiu correndo. Correu, lágrimas caiam, rolavam por seu rosto, respingavam no cabelo e tocavam o chão como purificação... ou o contrário. Chegou no cemitério, o sol quase impondo seu poder. Entrou na sua cova e ficou junto com sua alma. Ali dormiu. E foi quando nós conversamos. Um mundo paralelo, não sei. Não preciso explicar aqui também, quem sabe em outro momento. Era apenas neve, alguns arbustos formando uma circunferência, uma fogueira centralizada, e nós dois conversando. Estava quente e frio ao mesmo tempo, não sei se dentro ou fora. E todos os dias foram assim. Noites, na verdade. Quando o sol começava a aparecer aqui, ela corria para o outro mundo. Acordava no seu túmulo, e tudo se repetia.
Depois de muito tempo nós concordamos em guardar todo o sofrimento de nossas almas conosco, e se possível, mostrar nosso corpo para as pessoas, apenas ele. Foi assim que vivemos, assim que sobrevivemos. Isso, melhor, sobrevivemos.
28 de nov. de 2014
26 de nov. de 2014
16 de nov. de 2014
13 de nov. de 2014
Entre a perdição do horizonte se inclui
11 de nov. de 2014
Os sinos ecoavam, meu quarto estava surdo. A Igreja no final da rua não cansava, continuava a ecoar o sino... mas minha janela está sendo tocada por neve agora, quase coberta. Sem levantar da minha cama, já estava cansada de observar o teto, virei meu rosto. Incontáveis fios amarelos tamparam minha visão, meu cabelo, acho [...] Não queria retirar ele da minha vista, fiquei inerte, até o crepúsculo engolir o dia. Já está na hora? Retirei aqueles fios do meu rosto. Minha cama? Grande e vazia, parecia que a neve ali repousava. Meu quarto, com todas aquelas memórias, encontrava-se só, eu já não contava. Não contava?! Mas eu sou a menina. No fundo, dentro do meu próprio nebuloso vale, eu sabia. Não contava pois eu não era passageira, o quarto nunca me pertenceu, nem eu a ele. Não há como nos separar.
Enquanto estava deitada em meu mundo, acho que essa é a palavra, prestava atenção nos barulhos da rua. Não quero mais ouvir o sino. Creio que seja uma mãe com seu filho. Tantas trocas de afeto, mas está muito frio. O que faz esses dois lá fora? Quem se importa... acho que pensavam assim. Risos, acho que era, duas pessoas brincando lá fora. Provavelmente bolas de neve, como uma guerra para aliviar o mundo. Ou talvez um boneco, sabe, daqueles com nariz de cenoura, moldá-lo como desejar, desfazer quando quiser, ou deixar o inverno passar, o tempo levará. Um carro também passou, mas era só um carro.
Depois de algumas escolhas, passou pouco tempo, sentei na cama. Esqueci que a janela estava coberta de neve, mas olhei para ela. Ouvi passos na escada de casa. Fiquei esperando os passos acabarem, mas não acabou.